O que levou Sarney a desistir da reeleição no Senado
Senador
dá prioridade ao tratamento de saúde da mulher, mas também pesou na
decisão, que não reduz influência nem o afasta da política, a falta de
apoio e o risco de um vexame nas urnas
Há 24 anos no Senado, Sarney deu a entender nesta terça que, mesmo sem cargo eleito, não deixará de atuar nos bastidores
Foto:
Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
José Sarney personifica realidades antagônicas no Senado e no Amapá.
No Congresso, é uma esfinge com um currículo de seis décadas de vida
pública, cuja influência e poder se estendeu ao Palácio do Planalto,
tanto nos governos do PSDB quanto do PT. No Amapá, a realidade é outra.
Há anos enfrenta um desgaste político, amplificado com as vaias
recebidas na cerimônia do programa Minha Casa Minha Vida, na
segunda-feira.
Aos 84 anos, o ex-presidente da República já manifestara o desejo de
não tentar o quarto mandato como senador, mas resistia ao ocaso,
lembrando a última vitória nas urnas, em 2006, quando superou as
dificuldades com apoio quase unânime de partidos e prefeitos do Amapá. A
vitória deu fôlego, só que hoje a família Sarney já perde prestígio até
no Maranhão, origem política do clã. A decisão do senador surpreendeu,
inclusive os funcionários no gabinete em Brasília. A viagem com a
presidente Dilma Rousseff a Macapá foi um último teste para ver se a
candidatura se sustentava.
– A sua base se esfacelou, e ele foi abandonado. Se concorresse
sozinho, corria o risco de perder para brancos e nulos – diz o senador
João Capiberibe (PSB-AP), adversário político de Sarney no Amapá.
Se Sarney fosse candidato, o PT teria de apoiar para o governo a
chapa de Waldez Góes (PDT), que governou o Amapá de 2003 a 2010 – quando
foi preso na Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal. Sarney consultou
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu se empenhar na
reeleição. As vaias de populares foram a gota d'água. Nem mesmo o PT
local havia engolido o apoio, já que desejava eleger a atual
vice-governadora, Dora Nascimento (PT) para o Senado.
No evento em Macapá, Sarney dividiu o palanque com o governador
Camilo Capiberibe (PSB), também aliado do governo, que provocou seu
passado e as relações com a ditadura. Pelos adversários, o ex-presidente
era considerado um intruso desde que transferiu seu domicílio eleitoral
do Maranhão ao Amapá.
– O Amapá vai passar a ter três senadores, já que antes tinha dois, e
o Maranhão quatro – ironizou nesta terça-feira um dos adversários
políticos de Sarney.
O declínio começou em 2009, logo após Sarney sentar pela terceira vez
na cadeira da presidência do Senado. À época, estourou o escândalo das
nomeações por meio de atos secretos da Casa. Sarney foi blindado por
Lula, mas viu aumentar sua rejeição popular. O "fora Sarney" se
multiplicou nas redes sociais.
Com uma capacidade incomparável de se manter no poder, elegeu-se
novamente para a presidência do Senado. Sua longevidade passou a ser
alvo de xingamentos até em shows de rock. Sarney, contudo, jamais perdeu
a pose. No governo Dilma, manteve cargos, mas viu sua relevância
diminuir diante da tríade liderada pelo vice Michel Temer e os
presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (RN).
Sarney se afastou do dia a dia da aliança entre PT e PMDB. Nem mesmo
participava das reuniões e jantares promovidos por Temer, mas ainda era a
última voz a ser ouvida pelo partido, principalmente quando as relações
com os petistas estavam estremecidas.
Dilma foi a primeira a saber da aposentadoria. Oficialmente, os
problemas de saúde da mulher, Marly, são o motivo. No fundo, pesou o
receio de um vexame eleitoral nas urnas.
Na linha do tempo, relembre os principais momentos de Sarney:
Sem mandato, mas com poder
José Sarney sai de cena na política nacional, mas isso não significa
que sua influência tenha chegado ao fim. O que muda é o cenário.
Adversários do clã do senador no Maranhão preparam-se para o retorno do
velho líder ao Estado, onde ele deve tomar a frente na campanha de seu
candidato ao Palácio dos Leões.
Foi lá, em 1966, que ascendeu na vida pública, eleito governador com
60% dos votos válidos. Desde então, sua família se perpetuou no poder. A
hegemonia, no entanto, corre risco.
A atual governadora, Roseana Sarney (PMDB), herdeira do
ex-presidente, voltou a ter a imagem corroída desde o fim do ano
passado, quando uma crise atingiu o sistema prisional e chegou às ruas.
Roseana ensaiou a saída do governo para concorrer a senadora, mas voltou
atrás em abril.
Em paralelo, o principal candidato de oposição, Flávio Dino (PC do
B), conseguiu reunir em torno de si uma espécie de frente anti-Sarney. A
coligação tem nove siglas, inclusive o PSB de Eduardo Campos e o PSDB
de Aécio Neves, rivais no âmbito federal.
– Sarney decidiu deixar o Senado em razão do enorme desgaste que
enfrenta no Amapá e do risco que corre no Maranhão. Não temos dúvidas de
que vai concentrar todas as energias aqui. Vai se jogar com tudo –
avalia Dino.
Coincidência ou não, Sarney foi vaiado várias vezes em Macapá (AP) em
evento ao lado da presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, no
Maranhão, cresce a insatisfação de parte da população.
– Os maranhenses estão se dando conta de que não ganharam nada com
todos esses anos de Sarney no Senado – diz a deputada estadual Eliziane
Gama (PPS).
A parlamentar, que engrossa o coro dos críticos do sarneysmo, afirma
que ainda é cedo para avaliar o real impacto da reviravolta. Dino tem
certeza de que Sarney, na prática, acabará coordenando a campanha de
Edinho Lobão (PMDB), filho do ministro da Minas e Energia, Edison Lobão
(PMDB), ao Executivo estadual.
E não parece nada satisfeito:
– Sarney continua sendo Sarney. Não podemos subestimá-lo – pondera Dino.
Cinco momentos marcantes na carreira
Seis partidos e sempre ao lado do governoComo deputado
federal, governador, senador e presidente, Sarney esteve filiado a seis
partidos: PSD, UDN, Arena (partido de sustentação da ditadura militar),
PDS, Frente Liberal (depois PFL, atual DEM) e PMDB. Em toda sua
carreira, sempre esteve alinhado com o governo.
O mais velho imortal da academiaFormado em Direito e
escritor, Sarney foi eleito para a cadeira 38 da Academia Brasileira de
Letras, em 1980. Hoje, é o mais antigo imortal. O político escreveu
poemas, contos, crônicas, ensaios e três romances: O Dono do Mar,
Saraminda e A Duquesa Vale uma Missa.
Ascensão à Presidência e constituinteCandidato a vice em
1985, Sarney herdou a Presidência após a morte de Tancredo Neves. Ao
assumir, enviou ao Congresso a proposta que criou a assembleia para
elaborar a nova Constituição, promulgada em 1988 e que, marcou, por
exemplo, a volta das eleições diretas.
Hiperinflação e planos fracassadosPara combater a
hiperinflação, Sarney congelou preços e salários e lançou o Cruzado, em
1986. Mas o plano não vingou e houve falta de produtos. Lançou, ainda,
os planos Cruzado II, Bresser e Verão. Deixou o Palácio do Planalto em
1990, com inflação anual de 2.751%.
No Senado, presidência e escândalosMaranhense, Sarney
elegeu-se três vezes senador pelo Amapá, criado quando ele foi
presidente. Presidiu quatro vezes o Senado e foi personagem de vários
escândalos como o dos "atos secretos", com nomeações de parentes. No
fim, não renunciou nem foi afastado.