A bíblia protestante tem apenas 66 livros
porque Lutero e, principalmente os seus seguidores, rejeitaram os
livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico (ou Sirácida), 1
e 2 Macabeus, além de Ester 10,4-16; Daniel 3,24-20; 13-14. A razão
disso vem de longe.
No ano 100 da era cristã os rabinos
judeus se reuniram no Sínodo de Jâmnia (ou Jabnes), no sul da Palestina,
a fim de definirem a Bíblia Judaica. Isto porque nesta época começava a
surgir o Novo Testamento com os Evangelhos e as cartas dos Apóstolos,
que os Judeus não aceitaram.
Nesse Sínodo os rabinos definiram como critérios para aceitar que um livro fizesse parte da Bíblia, o seguinte:
(1) deveria ter sido escrito na Terra Santa;
(2) escrito somente em hebraico, nem aramaico e nem grego;
(3) escrito antes de Esdras (455-428 a.C.);
(4) sem contradição com a Torá ou lei de Moisés.
Esses critérios eram nacionalistas, mais
do que religiosos, fruto do retorno do exílio da Babilônia. Por esses
critérios não foram aceitos na Bíblia judaica da Palestina os livros que
hoje não constam na Bíblia protestante, citados antes.
Acontece que em Alexandria no Egito,
cerca de 200 anos antes de Cristo, já havia uma forte colônia de judeus,
vivendo em terra estrangeira e falando o grego. Os judeus de
Alexandria, através de 70 sábios judeus, traduziram os livros sagrados
hebraicos para o grego, entre os anos 250 e 100 a.C, antes do Sínodo de
Jâmnia (100 d.C). Surgiu assim a versão grega chamada Alexandrina ou dos
Setenta. E essa versão dos Setenta, incluiu os livros que os judeus de
Jâmnia, por critérios nacionalistas, rejeitaram.
Havia então no início do Cristianismo
duas Bíblias judaicas: uma da Palestina (restrita) e a Alexandrina
(completa – Versão dos LXX). Os Apóstolos e Evangelistas optaram pela
Bíblia completa dos Setenta (Alexandrina), considerando canônicos os
livros rejeitados em Jâmnia. Ao escreverem o Novo Testamento usaram o
Antigo Testamento, na forma da tradução grega de Alexandria, mesmo
quando esta era diferente do texto hebraico.
O texto grego “dos Setenta” tornou-se
comum entre os cristãos; e portanto, o cânon completo, incluindo os sete
livros e os fragmentos de Ester e Daniel, passou para o uso dos
cristãos.
Das 350 citações do Antigo Testamento que
há no Novo, 300 são tiradas da Versão dos Setenta, o que mostra o uso
da Bíblia completa pelos apóstolos. Verificamos também que nos livros do
Novo Testamento há citações dos livros que os judeus nacionalistas da
Palestina rejeitaram. Por exemplo: Rom 1,12-32 se refere a Sb 13,1-9;
Rom 13,1 a Sb 6,3; Mt 27,43 a Sb 2, 13.18; Tg 1,19 a Eclo 5,11; Mt
11,29s a Eclo 51,23-30; Hb 11,34 a 2 Mac 6,18; 7,42; Ap 8,2 a Tb
12,15.
Nos
séculos II a IV houve dúvidas na Igreja sobre os sete livros por causa
da dificuldade do diálogo com os judeus. Finalmente a Igreja, ficou com a
Bíblia completa da Versão dos Setenta, incluindo os sete livros.
Por outro lado, é importante saber também
que muitos outros livros que todos os cristãos têm como canônicos, não
são citados nem mesmo implicitamente no Novo Testamento. Por exemplo:
Eclesiastes, Ester, Cântico dos Cânticos, Esdras, Neemias, Abdias, Naum,
Rute.
Outro fato importantíssimo é que nos mais
antigos escritos dos santos Padres da Igreja (Patrística) os livros
rejeitados pelos protestantes (deutero-canônicos) são citados como
Sagrada Escritura. Assim, São Clemente de Roma, o quarto Papa da Igreja,
no ano de 95 escreveu a Carta aos Coríntios, citando Judite, Sabedoria,
fragmentos de Daniel, Tobias e Eclesiástico; livros rejeitados pelos
protestantes.
Ora, será que o Papa S. Clemente se
enganou, e com ele a Igreja? É claro que não. Da mesma forma, o
conhecido Pastor de Hermas, no ano 140, faz amplo uso de Eclesiástico, e
do 2 Macabeus; Santo Hipólito (†234), comenta o Livro de Daniel com os
fragmentos deuterocanônicos rejeitados pelos protestantes, e cita como
Sagrada Escritura Sabedoria, Baruc, Tobias, 1 e 2 Macabeus.
Fica assim, muito claro, que a Sagrada
Tradição da Igreja e o Sagrado Magistério sempre confirmaram os livros
deuterocanônicos como inspirados pelo Espírito Santo.
Vários Concílios confirmaram isto: os
Concílios regionais de Hipona (ano 393); Cartago II (397), Cartago IV
(419), Trulos (692). Principalmente os Concílios ecumênicos de Florença
(1442), Trento (1546) e Vaticano I (1870) confirmaram a escolha.
No século XVI, Martinho Lutero
(1483-1546) para contestar a Igreja, e para facilitar a defesa das suas
teses, adotou o cânon da Palestina e deixou de lado os sete livros
conhecidos, com os fragmentos de Esdras e Daniel.
Sabemos que é o Espírito Santo quem guia a
Igreja e fez com que na hesitação dos séculos II a IV a Igreja optasse
pela Bíblia completa, a versão dos Setenta de Alexandria, o que vale até
hoje para nós católicos.
Lutero, ao traduzir a Bíblia para o
alemão, traduziu também os sete livros (deuterocanônicos) na sua edição
de 1534, e as Sociedades Biblícas protestantes, até o século XIX
incluíam os sete livros nas edições da Bíblia.
Neste fato fundamental para a vida da
Igreja (a Bíblia completa) vemos a importância da Tradição da Igreja,
que nos legou a Bíblia como a temos hoje. Disse o último Concílio: “Pela
Tradição torna-se conhecido à Igreja o Cânon completo dos livros
sagrados e as próprias Sagradas Escrituras são nelas cada vez mais
profundamente compreendidas e se fazem sem cessar, atuantes. Assim o
Deus que outrora falou, mantém um permanente diálogo com a Esposa de seu
dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho
ressoa na Igreja e através da Igreja no mundo, leva os fiéis à verdade
toda e faz habitar neles copiosamente a Palavra de Cristo” (DV,8).
Por fim, é preciso compreender que a
Bíblia não define, ela mesma, o seu catálogo; isto é, não há um livro da
Bíblia que diga qual é o Índice dela. Assim, este só pôde ter sido
feito pela Tradição Apostólica oral que de geração em geração chegou até
nós.
Se negarmos o valor indispensável da Tradição, negaremos a autenticidade da própria Bíblia.
Prof. Felipe Aquino
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