quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O adeus a Wando. Perdemos o cantor de moça,



Os últimos dias eram de boas notícias. O coração de Wando, depois de submetido a uma angioplastia no dia 27, quando o cantor sofreu um enfarte, se recuperava bem. A respiração quase não precisava mais da ajuda de aparelhos, sua alimentação por via oral era retomada com um pouco de iogurte e os médicos do Hospital Biocor, em Nova Lima, Belo Horizonte, já tinham esperanças em tirá-lo do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e levá-lo para um quarto comum.
Mas, na madrugada de hoje, o coração que Wando tanto cantou em suas músicas começou a traí-lo. Às 5h40, os médicos diagnosticaram uma piora cardíaca. Uma hora depois, não havia mais batimentos. “Apesar de todos os esforços para reanimá-lo, como o uso do desfibrilador, Wando faleceu às 8 horas”, informou o médico Heberth Miotto. Aos 66 anos, ele estava com cerca de 30 quilos acima do peso e levava uma vida sedentária. “Ele nunca cuidou do próprio coração”, afirmou Miotto.


A família do cantor divulgou nota agradecendo o carinho e a atenção de todos os envolvidos durante o período de internação do cantor no Biocor. “Agradecemos o carinho e a atenção de todos, especialmente ao Sr. Wanderley Alves dos Reis - Wando -, à sua esposa e aos filhos, ao Corpo Clínico, aos profissionais de saúde e demais colaboradores que, com dedicação e respeito, atuaram de forma intensiva e completa, aplicando todos os recursos e técnicas disponíveis, nada faltando ao paciente durante todo o tratamento.” Segundo informações preliminares da assessoria do Biocor, o enterro do cantor será realizado amanhã em Belo Horizonte, por volta das 11 h, no Cemitério Bosque da Esperança. O velório teria início às 17 h de hoje, no mesmo local.
Volta por cima — Aquele garoto do Opalão vermelho só podia estar fazendo coisa errada aos olhos dos donos do jornalzinho da cidade de Congonhas do Campo. Wanderley, cravava o periódico, fazia parte de uma quadrilha de ‘puxadores de carro’, ladrões da pesada. Mas não. Wando, como sua avó preferia chamá-lo desde pequeno, em vez do Wanderley, só estava ali para devolver um violão que havia pegado emprestado de um amigo e dizer ao povo que o vira crescer em Congonhas que ele havia vencido. O Opala era seu troféu, comprado com o primeiro dinheiro que a música lhe dera. Wando já queria aparecer. Antes de ser cantor, o menino romântico e tímido soube treinar os olhos e se tornar um bom observador. Mineiro de Cajuri, criado em Juiz de Fora, amadurecido em Volta Redonda (RJ) e malandreado em São Paulo, trabalhou entregando leite e jornal, vendendo legume em feira e dirigindo caminhões. Saber o que o povo queria, logo, ficaria fácil. Moleque, foi fazer aulas de violão erudito para ganhar as meninas, mas algo não se encaixava ali. Ele não tinha nascido para a música clássica. Sentiu que muitas de suas ‘presas’ cochilavam lá pelo terceiro compasso de Pour Elise. “As mulheres ficavam um pouco entediadas”, disse em depoimento em seu site.


O Escaravelhos - sim, se os Beatles tinham nome que remetia a besouros, por que não seu grupo? - lhe deu os primeiros cachês. Inspirado, estreou na arte da conquista verbal com sua primeira composição “O Importante É Ser Fevereiro”, gravada por Jair Rodrigues. Mas ainda vivendo em uma espelunca chamada Hotel Rócio, na Rua dos Timbiras, centro de São Paulo, suas manhãs não tinham desjejum. “O Rócio não tinha elevador nem dava café da manhã.” Mas era ali que estava seu primeiro ‘anjo da guarda’, um dentista aposentado que lhe deu o melhor lanche de pernil que comeu na vida em uma manhã de fome aguda e o apresentou o crítico de música Antonio de Almeida. Toninho o incentivou a ir mostrar suas músicas a Jair Rodrigues.
E Jair o gravou. Foi dela que saiu o Opala vermelho. Já com contrato embaixo do braço e cabelo black power, Wando se lançou nos discos, de início, fazendo algo inspirado no que faziam Caetano e Gil. Ao contrário de outros artistas populares que tentam se elitizar depois e em geral renegam o passado, Wando fazia um caminho contrário. Seus discos primeiros eram percebidos como ‘elitistas’. Só depois que suas estratégias o colocariam no hall dos populares. “As rádios FM tocavam suas músicas, mas não tocavam as minhas nem as do Odair José, por exemplo. Ele fazia história”, diz Amado Batista. As mulheres, de novo, apareceram para mudar sua carreira. Ao cantar nas noites de São Paulo, Wando percebia que o grande momento se dava nas músicas românticas. Elas o queriam sim, mas falando de amor. E não do amor acadêmico de Vinícius de Morais, mas daquele que as mandava jogá-lo na cama e chamá-lo de seu. “Foi onde tudo começou”, dizia.
Vendagens — Moça, de 1975, vendeu 1,2 milhão de discos. O fenômeno estava criado. Até a última contagem, suas vendas contabilizam mais de 10 milhões de álbuns. A estratégia do caçador de coraç E com o nome “Tenda dos Prazeres” batizou um de seus discos mais vendidos. Ganhar calcinhas de suas fãs, assim como pedir para que mordessem um quindim ou uma maçã durante o show, se tornou uma de suas marcas. Wando fazia o que elas queriam para afagar suas amarguras. Só esqueceu de cuidar do próprio coração.

Cantor estará em filme sobre a música brega
Ainda neste primeiro semestre, o cantor Wando poderá ser visto nos cinemas no documentário Vou Rifar Meu Coração, que investiga a música brega no Brasil. Wando é um dos principais entrevistados do filmeA obra trata do imaginário romântico, erótico e afetivo dos brasileiros a partir da obra dos principais nomes da música popular romântica, o “brega” nosso das ressacas incuráveis. Letras de artistas como Odair José, Agnaldo Timóteo, Waldick Soriano, Evaldo Braga, Nelson Ned, Amado Batista e Wando, entre outros, formam verdadeiras crônicas dos dramas da vida a dois. No filme, os temas destas pérolas do cancioneiro romântico nacional se relacionam com as histórias da vida amorosa de pessoas comuns, em situações reais. Além dos personagens que abrem o peito e dividem suas dores de cotovelo com o espectador, o documentário traz depoimentos dos próprios compositores. O título do filme é homônimo a música de Lindomar Castilho.

Carreira começou e “explodiu” nos anos 70
Wando nasceu em Arraial de Bom Jardim (MG), mas foi registrado em Cajuri (MG). Antes de se tornar cantor, foi entregador de leite, vendedor de jornais e feirante. O cantor mineiro colecionou ao longo de seus mais de 40 anos de carreira, além de milhares de calcinhas, muitos sucessos. No início dos anos 70, Nega de Obaluaê se tornou sua primeira canção conhecida (foi regravada por Pedro Luis e a Parede nos anos 2000). Em 1973 o cantor Jair Rodrigues gravou duas composições de Wando, Se Deus Quiser e O Importante é Ser Fevereiro, esta última uma das mais executadas no carnaval do ano seguinte. Mas seu primeiro grande sucesso foi Moça, lançada na trilha sonora da novela Pecado Capital, em 1975. O compacto de mesmo nome vendeu a impressionante marca de 1,2 milhões de cópias, e Wando se tornou então conhecido nacionalmente. No ano de 1979 Wando lança seu primeiro LP, Glória Deus no Céu e o Samba na Terra, um álbum basicamente de samba, mas é nos anos 80 que o cantor começa a construir - através de suas composições e dos nomes de seus discos - a imagem de “o cantor mais erótico do Brasil”. Ui-Wando de Paixão, Vulgar, Comum É Não Morrer de Amor, Obsceno, Depois da Cama, Tenda dos Prazeres e Mulheres são alguns dos nomes de seus trabalhos.
Ao todo, Wando gravou 30 álbuns e compôs mais de 400 canções.
Esses números lhe garantiram 19 Discos de Ouro, 7 Discos de Platina e 3 Discos de Diamante, com vendas estimadas em 10 milhões de cópias. O Maior sucesso de sua carreira é “Fogo e Paixão”, lançada no disco “O mundo Romântico de Wando” (1988), e “Obsceno”, show também de 1988, foi seu maior sucesso de público, lotando casas noturnas em todos os estados brasileiros. A título de curiosidade, Wando tinha em sua coleção mais de 17 mil calcinhas.

Morte repercute nas redes sociais
A morte de Wando na manhã de ontem repercutiu nas redes sociais. No Twitter. Fafá de Belém deu um depoimento emocionante. “Wando é de um tempo que bem conheci: o sucesso não tinha ‘apoiadores’ nem jabá”, escreveu a cantora, “era o povo quem fazia, espontaneamente”. Sua filha, a também cantora Mariana Belém, lembrou os versos da música Chora Coração – chora coração, passarinho na gaiola, feito gente na prisão. Cláudia Leitte declarou que “Wando descansou em paz e deixou muita saudade”, enquanto Latino confessou que costumava tocar suas músicas “de brincadeira” no palco.
Saudoso, o apresentador Serginho Groisman lembrou as oportunidades em que esteve ao lado do cantor. “Tive o privilégio de ter Wando várias vezes em meus programas. Gentil, ele recebe hoje as homenagens merecidas.”A grande maioria dos tuítes está relacionada ao sucesso Fogo e Paixão que fez a fama de Wando. Carolina Dieckmann, Ticiane Pinheiro e o dançarino Carlinhos de Jesus citaram a música, enquanto as atrizes Fernanda Paes Leme e Juliana Alves desejaram força à família. Já o ator e cantor Alexandre Nero optou pelo bom humor. “Bem na lua cheia. É hoje que os amantes se transformam em lobos e ficam a noite toda ‘uiWando’.” No Facebook, vários usuários passaram o dia postando trechos de músicas.

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