Único dos quatro filhos de Wallace Souza a manifestar o desejo de entrar na política, Willace revela como é viver sob a pressão da opinião pública e fala dos últimos momentos ao lado o pai
Manaus, fevereiro de 2009. Enquanto a população acompanha, pelos jornais, os “primeiros capítulos” do “Caso Wallace”, uma testemunha silenciosa, de 14 anos, vê o pai começar a definhar. Nos 17 meses seguintes, Willace Souza viveu o que ele chama de “tsunami” que atingiu a família. Viu o pai ser cassado sob a suspeita de liderar um grupo de extermínio e de ter ligações com o narcotráfico, ser preso, ser solto, ser preso de novo e, finalmente, morrer no hospital em São Paulo, em 27 de julho de 2010. Agora, prestes a completar 18 anos, Willace faz planos de seguir os passos de Wallace. Ele recebeu A CRÍTICA na sala de jogos do prédio onde mora a namorada, Paola, na sexta-feira, para contar seu projeto político e, claro, falar sobre o pai. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
Houve especulação sobre uma possível candidatura sua já este ano. Quais são seus planos políticos?
Não tenho uma data definida para começar minha ‘vida política’. Eu realmente pensei em me candidatar, cheguei a fazer as contas: faço 18 anos dia 6 de outubro, a eleição é dia 7. Vi que dava para entrar. Se eu ganhasse, seria meu presente de aniversário. Mas depois percebi que tenho que amadurecer a ideia. Tive uma conversa com meu tio Fausto (deputado estadual Fausto Souza, do PSD) e com minha tia Marlúcia (Marlúcia Souza, pré-candidata do PSD a vereadora), e preferi investir na minha preparação, para quando chegar lá fazer bonito. Deus sabe o dia certo. Pela minha vontade, uma hora vai chegar.
Hoje é hora do quê?
Vou focar os estudos, me preparara para a faculdade. Esta é a primeira coisa que eu penso: passar no vestibular para Direito. Era o que meu pai pedia, quando estava vivo. Ele sempre me incentivou a seguir essa carreira.
A sua família tem muitos políticos. Qual deles é seu maior conselheiro?
Meu tio Fausto, com certeza. Hoje em dia ele, além de tio, é um pai, um amigo. Tudo que eu quero, que penso, vou lá com ele perguntar. Até coisas banais costumo me consultar com ele. É meu tio que tenho mais contato. E ele sempre deixou essa porta aberta. Ele me disse: meu filho, para tudo que você precisar, eu vou estar aqui, porque sei que o Wallace, se estivesse vivo, ia fazer o mesmo pela minha família.
Você sempre gostou de política? Teve muita pressão do seu pai para seguir os passos dele?
Aprendi a gostar de política. Achava monótono, achava chato, mas quando passei a acompanhar meu pai mais de perto, ir à Assembleia, passei a gostar. Meu pai costumava dizer que eu ia seguir a carreira dele, que fui o único dos filhos que nasceu com isso. Uma vez, nunca esqueço, numa mesa de jantar com amigos, ele falou: é para esse aqui que vou deixar meu legado na política, ele é meu futuro. E meu pai sempre me disse que para dar certo, para desempenhar bem esse papel, eu tinha que ser um cara inteligente, estudar, me preparar.
Você exercita a política na escola, por exemplo?
A política está toda hora na minha vida. Sou presidente do Grêmio Estudantil, fui eleito em uma chapa unificada - que juntou as três chapas da escola. O La Salle incentiva os alunos a exercitar esse lado político. Hoje já dá para ver ali dentro muita gente que vai ser líder daqui alguns anos. Marcelo Ramos, Josué Neto e Fabrício Lima estudaram ali. A escola vai formando alunos que gostam da política. Eu, que já gostava, quando entrei no La Salle passei a gostar mais. Me candidatei ao Grêmio duas vezes. Na primeira perdi.
E como foi a volta por cima? O que você aprendeu com a derrota?
Que a gente tem que saber que não é “automático”: vou chegar e ganhar porque sou filho de fulano de tal. Não é assim. Tem que ter pé no chão. A pessoa é reconhecida pelo trabalho, pelo que ela faz. E cada um constrói a sua história. Após essa primeira eleição, as chapas se uniram e eu fiquei como presidente. Foi uma coisa inédita no colégio, teve um plebiscito para anular a votação anterior e ficou essa chapa única, de consenso. E estamos fazendo o melhor. A gente não quer sair de lá como um Grêmio que não fez nada. Para mim é ainda mais importante, pois pretendo seguir carreira política. Tenho que ter uma imagem boa desde agora.
Você se sente mais “vigiado” por ter decidido, desde cedo, seguir carreira na vida pública?
Com certeza. Tenho consciência de que cada passo meu é observado. O que minha mãe mais fala é: meu filho, se você quer seguir a carreira política, tem que ser uma pessoa exemplar, ter um comportamento que seja exemplo para outros. Não pode brigar, fazer besteira. E eu não sou de rixa, de bagunça. Gosto de sair, como todo jovem, de passear com a namorada, sair para comer, mas tudo dentro de um limite.
Você visita seu irmão Raphael na cadeia? Como é a relação de vocês?
Antes dele ser preso, eu saia com ele. Ia para o sítio da ex-namorada dele. Temos uma diferença de idade grande, mas eu era o irmão que mais saia com ele. Ele também gostava de videogame e de sair para comer, então andávamos bastante juntos. Hoje, eu não visito ele e até fico triste comigo mesmo por isso. Mas é uma coisa que não consigo... Aquele clima pesado de penitenciária é ruim. Eu tento criar coragem, amo ele, é meu irmão. Meu pai incentivava a convivência, queria que os filhos todos fossem unidos como ele era com os irmãos. Eu fui uma vez visitá-lo e às vezes tenho notícias dele por amigos. Ainda planejo ir lá de novo. Acredito nele, acredito que ele é inocente. Espero que a inocência dele seja provada no júri popular. Estou orando por ele todas as noites.
Como separar sua imagem da de seu pai? E você tem medo da comparação com outros filhos de políticos?
Quero mostrar quem eu sou. Meus ideais são meus. Meus projetos e planos também. Não tenho medo de comparação. Apesar de considerar Reizo (Castelo Branco), Josué (Neto) e Artur (Bisneto) bons parlamentares, não tenho receio dessa comparação. O meu pai não vai estar lá para falar para mim o que fazer, como eu sei que não acontece com eles.
Seu pai e o irmão, Carlos Souza, ficaram conhecidos por conta de um programa de TV. Você tem pretensões de explorar esse filão?
Se eu for fazer, vai ser algo para o público jovem. Já pensei em fazer algo no rádio, gosto muito de música. Pensei em algo que tivesse música e uma interação social. Programa de TV como o Canal Livre, não tenho interesse em fazer. O lado solidário, de ajudar as pessoas, é interessante, mas o lado policial não tem nada a ver comigo, não tenho esse perfil.
Uma das maiores bandeiras do seu pai era o combate à insegurança, às drogas. Você pretende seguir nessa linha?
A coisa mais bonita que eu vejo é quando um dependente químico consegue uma chance de se reabilitar. Isso eu gostaria de fazer: ajudar as pessoas a construir uma nova vida, se curar da dependência. Acredito que todo mundo tem jeito. Se a pessoas tiver força de vontade, ela consegue. Na minha família temos o caso do tio Ulisses, que faleceu por causa das drogas. Minha avó faleceu por conta do desgaste. Por conta disso, acho que meu pai se viu no dever de combater as drogas. Ele sabia que tem gente que, se tiver essa chance, vai mudar de vida. Todo ser humano deveria ter o direito de se tratar de graça. As drogas são o mal do século.
Além da paixão pelo Fluminense, o que mais você e seu pai tinham em comum?
Meu pai é meu ponto de referência. Tudo que eu via dele fazendo o bem, hoje está na minha cabeça. Ele tinha um coração enorme. Então é uma coisa que me sinto no dever de fazer, de continuar fazendo: o bem para as pessoas. Ele me educou e educou meus irmãos assim. Em comum, também, há a aparência. Muita gente comenta. Minha tia às vezes me abraça e diz: você é a cara do Wallace. Daí ela pega minha mão e diz: olha, a mão é igualzinha.
E como foi acompanhar o processo de cassação do mandato dele?
Foi doloroso. Isso nos abalou muito. Porque foi muito rápido, um tsunami. Às vezes ele chegava em casa cansado, triste. O que a gente fazia era abraçar e dizer que ia dar tudo certo, que Deus tarda, mas não falha. Porque sempre acreditei em tudo que ele falou para a gente e tenho plena convicção das coisas boas que ele fez. Então, enquanto família, era isso que fazíamos: abraçar quando ele chegava em casa.
E vocês conseguiam ter uma vida normal mesmo com essa turbulência política?
Às vezes, para esquecer um pouco os problemas, ele nos chamava para jogar videogame. Ficávamos a madrugada toda jogando Fifa. A mamãe batia na porta para avisar que tinha aula dia seguinte. E de vez em quando ele “decretava”: ninguém vai para a escola amanhã. Ele se amarrava nesse jogo, só jogava com o time do Fluminense. Agora ele deve estar ouvindo isso (olhando para cima), mas a gente deixava ele ganhar. Ele apertava todos os botões ao mesmo tempo e fazia muita festa quando marcava gol. Tirava onda com a gente, era uma alegria só. Papai gostava de uma bagunça. A gente esquecia o que acontecia lá fora.
Há uma preocupação da família com o resgate da imagem do ex-deputado Wallace?
Eu prefiro deixar esse assunto da cassação para lá. Quero ficar só com as lembranças boas. Colocar uma pedra em cima disso e acabou. Até porque, eu ouvi ele falando para minha mãe que não tinha rancor de ninguém. Ele não guardou mágoa. Então porque eu guardaria? Hoje falo com qualquer deputado, qualquer pessoa que vier falar comigo. A pessoa que guarda rancor fica doente. E as coisa que meu pai fez de bom, vão prevalecer sem esforço da família. Ele era uma pessoa boa. Tudo, a meu ver, está escrito no livro de Deus. A meu ver, Deus planejou aquilo. E quem somos nós para contestar?
Após a cassação, o quadro de saúde dele piorou. Como foram os últimos dias do Wallace?
Minha tia Marlúcia estava com ele em São Paulo. Tinha vezes que não conseguíamos contato com ela e entrávamos em desespero quando saia em blogs as notícias falsas da morte dele. Os médicos tinham dito ao meu pai que ele nunca mais iria se recuperar, que não ia poder voltar a trabalhar. Acho que foi ai que ele desistiu. Ele estava muito magro, sem força nas pernas, e a barriga tinha voltado a crescer. Ele implantou um cateter para drenar esse líquido e, na cirurgia, teve uma parada cardíaca. Mas depois ele melhorou. E em seguida piorou de novo. Meu irmão ainda conseguiu falar com ele, e ele disse que daria o máximo que pudesse por nós, pelos filhos. Nessa conversa ele tinha acabado de fazer cirurgia e falou: por vocês eu vou tentar sair daqui (choro). Foi difícil, a cirurgia tinha dado certo e a gente estava com isso na cabeça, meio animados.
E quando vocês foram para São Paulo? Foi antes da morte dele?
Eu estava em casa uma madrugada e começou a sair em blogs na internet que a doença tinha agravado. Meu irmão Williard entrou no quarto e disse: tenho uma notícia ruim para te dar, os médicos ligaram e avisaram que a infecção do papai passou para o sangue e o quadro é irreversível. Na mesma madrugada embarcamos para São Paulo, chegamos às 11h. Fiquei com medo de ir até a UTI, então fui direto para o refeitório, com meu irmãozinho, Williams.
Mas você chegou a se despedir de seu pai?
Sim. Meu primo foi avisar que meu pai estava péssimo, que a gente tinha que se preparar para o pior. Dai ele falou para o Williams não ir vê-lo. Eu subi. Quando entrei na UTI, vi ele deitado ali foi como se... não era o meu pai. Meu pai estava sempre alegre, feliz, dificilmente eu via ele triste. E ali ele estava sedado (choro), inchado. Eu falei com ele, falei que tudo ia dar certo, que eu estava esperando ele em Manaus. Dei um beijo nele. Dai voltei para o apartamento, ao lado do hospital, fiz uma oração de joelho com minha mãe, meu irmãozinho, e dormi. Acordamos com uma ligação, com a notícia. Minha mãe ficou desesperada, disse: o Wallace não pode ter feito isso com a gente, nos deixado assim. Mas foi o que aconteceu.
E o velório e o enterro, em Manaus, que lembranças deixaram?
Foi uma coisa muito confortante sentir o carinho de todas aquelas pessoas. Na campanha de 2006 eu tinha 11 anos, então ele não me levava. No velório foi a primeira vez que vi de perto aquele carinho do povo. As pessoas me abraçavam, diziam que ia ficar tudo bem. Me confortou muito ver o ginásio lotado. Essa despedida carinhosa do povo foi muito bonita. Ali vi que eles estavam com a gente. Depois de tudo que tinha acontecido, a gente estava se sentindo abandonado, uma sensação de “acabou”, mas quando vi aquela multidão falando coisas boas, confortando a gente, foi demais. É uma coisa que não vou esquecer nunca.
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